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A corrupção está em nossos valores: é hora de mudá-los


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Créditos da Imagem: Portal da Revista Veja (veja.abril.com.br)

Igor Ferreira


“Eu vou acabar com a corrupção.” Provavelmente você já ouviu algum candidato dizer essa frase. Normalmente, a promessa vem associada a uma ideia de nova política (bem genérica, sem explicar exatamente o que aquele candidato tem de novo), em oposição aos velhos corruptos de sempre. Não foram poucos os candidatos que se elegeram com base nessa promessa. Porém, invariavelmente, ela tem se demonstrado falsa.


A corrupção é prevista como crime no Código Penal brasileiro tanto em sua forma ativa[1] quanto na modalidade passiva[2]. Nos últimos anos, foi deflagrada a Operação Lava Jato, cujo principal objetivo é combatê-la. Aliás, operações como essa não são exclusividade do Brasil. A própria Lava Jato se inspira na Operação Mãos Limpas (Mani Pulite), responsável pela prisão de diversos políticos dos principais partidos na Itália durante a década de 1990. Ainda assim, seja no Brasil, seja na Itália ou em qualquer outro país do mundo (bem como nas organizações internacionais), a corrupção segue sendo um problema recorrente, generalizado.


Como se explica essa persistência, se a corrupção é vista com péssimos olhos pela sociedade e incessantemente tratada como caso de polícia? A resposta passa pela sua origem: a corrupção é um problema muito mais complexo do que normalmente se imagina. Ela não se limita a um determinado grupo de candidatos ou partidos, mas guarda relações profundas com alguns dos ideais culturais que guiam as sociedades capitalistas atuais. Assim, não importa qual candidato ou partido esteja no poder, o problema sempre persiste.


Dentre as ideias que regem o mundo capitalista, merecem incontestável destaque o liberalismo econômico e o individualismo, fortemente relacionados entre si. O primeiro constitui a corrente econômica de maior influência nas sociedades capitalistas ao longo da história. Uma de suas premissas fundamentais é que não se deve intervir na economia, pois o mercado possui uma lógica própria de autorregulação. A lógica é simples: se cada indivíduo perseguir seu bem-estar individual, as coisas naturalmente se ajeitarão e o mercado alocará os recursos de tal forma que será obtido o máximo possível de bem-estar coletivo.[3] Assim, ser egoísta é, na verdade, ser altruísta.


A busca pelo bem-estar individual, por sua vez, é o ponto principal do individualismo. Essa ideologia está presente não apenas na economia liberal, mas em diversos outros aspectos culturais das sociedades capitalistas (como no Direito, onde aparece na figura do sujeito de direitos e na luta incessante pelo respeito aos direitos individuais).


Entretanto, indo no sentido contrário à crença anteriormente apresentada, a realidade demonstra que a busca pelo bem-estar individual nem sempre leva ao bem-estar da sociedade – muito pelo contrário, na maioria das vezes ambos colidem entre si. É o que acontece nos casos de corrupção: aquele que recebe ou oferece uma vantagem indevida tem em mente os benefícios que ganhará individualmente (o aumento em seu patrimônio, a maior facilidade de sua empresa para ganhar determinada licitação pública e daí por diante), mas a sociedade só tem a perder (dentre outros problemas, sobram menos recursos para investir em áreas vitais como a saúde e a educação e os serviços prestados são de menor qualidade).


Esse tipo de ação é motivado pelos valores que cultivamos – o indivíduo acima de tudo – e, por isso, tende a persistir enquanto continuarmos vivendo de acordo com esses mesmos ideais. Para piorar o problema, quanto maiores forem o prestígio e o poder associados à posição social dos envolvidos, maiores serão os benefícios individuais (logo, os índices de corrupção tendem a aumentar à medida que se sobe na pirâmide social, tornando inevitável a associação entre a prática e os ocupantes de cargos políticos).


Portanto, o combate à corrupção não se realiza por meio de grandes operações policiais ou de votos naquele candidato que jura não medir esforços para acabar com o problema. Para combater a corrupção, é necessária uma mudança cultural mais profunda, abrindo mão dos valores do liberalismo econômico e do individualismo e substituindo-os por práticas mais altruístas. É necessário pensar nos seres humanos (ou até no mundo como um todo) como uma comunidade única amplamente diversa, não como um mero conjunto de indivíduos isolados que buscam vantagens individuais e utilizam todos os artifícios – devidos e indevidos – para obtê-las.

[1] Conforme art. 333 do Código Penal, disponível para consulta em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm .


[2] Conforme art. 317 do Código Penal.


[3] Trata-se de uma espécie de crença religiosa, contando inclusive com figuras míticas como a Mão Invisível do Mercado (conceito criado pelo economista Adam Smith para explicar essa adequada alocação de recursos).

 
 
 

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