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Contra qualquer censura: até onde vai a liberdade de expressão

A liberdade de expressão e de manifestação do pensamento é um direito individual constitucionalmente garantido. Essa liberdade fundamentou os incisos IV[1] e IX[2] do art. 5º da Constituição de 1988 e faz parte dos valores fundamentais da sociedade brasileira, assim como acontece em muitos outros países. Ela pode ser explicada como a permissão para darmos vazão a nossos pensamentos, ideias, desejos, vontades e a tudo o que nos constitui, fazendo com que isso tome forma na realidade externa – seja como um livro, uma notícia de jornal, um post nas redes sociais, um cartaz no meio de uma manifestação, entre outras formas possíveis.


Não há dúvidas quanto à importância da liberdade de expressão para a sobrevivência da democracia e até mesmo para a formação de nossa personalidade. A possibilidade de nos expressarmos é um requisito essencial para definirmos quem somos, quem queremos ou não ser e em qual tipo de sociedade queremos ou não viver. Por isso, as limitações à liberdade de expressão costumam ser recebidas com bastante raiva e resistência. Aliás, a simples menção à palavra “censura” causa calafrios. Essas fortes reações são legítimas, tendo em vista a inegável fundamentalidade da liberdade de expressão.


No entanto, assim como todo valor fundamental de nossa sociedade (inclusive aqueles protegidos por nossa Constituição), a liberdade de expressão não pode ser exercida de forma ilimitada. Ela encontra seus limites quando esbarra em outros valores fundamentais – por exemplo, quando alguém, ao se expressar, prejudica a liberdade e a segurança de outras pessoas ou ameaça a democracia e o direito à participação política de determinadas pessoas ou grupos sociais. Em resumo, a liberdade de expressão acaba quando começa o discurso de ódio, a incitação à violência ou alguma forma de ataque aos direitos alheios. O maior desafio é traçar a linha que separa um do outro.


Algumas vezes, a diferenciação é muito clara. Ao manifestar, nas redes sociais, sua raiva ou desprezo diante de determinada decisão política e convidar seus seguidores para democraticamente derrubá-la (por exemplo, não votando mais na pessoa responsável pela decisão ou em outros políticos que a apoiem), você está exercendo sua liberdade de expressão. Por outro lado, fazer postagens atacando minorias, legitimando atos violentos politicamente motivados ou promovendo manifestações que peçam um golpe de Estado não é exercer a liberdade de expressão. Isso nada mais é do que um crime, cujos efeitos são ainda piores se o número de seguidores for considerável. Esses efeitos devem ser contidos pelos agentes da lei e quem realiza tais ações deve ser tratado como aquilo que é – um criminoso.


Em outros casos, porém, a diferença é mais sutil – fica difícil decidir se uma certa situação é um exercício legítimo da liberdade de expressão ou constitui uma ilegalidade, já que a linha divisória pode ser traçada de maneiras distintas por pessoas diferentes. Nesses casos, qualquer decisão será insatisfatória para alguns, sofrerá críticas e trará algumas consequências negativas relevantes. Cria-se um dilema: por um lado, se priorizada a liberdade de expressão, legitima-se um certo número de situações de propagação de ódio e de violência. Por outro lado, priorizando-se o combate a tais situações, ocorrem inevitavelmente algumas limitações ao exercício legítimo da liberdade de expressão – censura, para falar em português claro.


A escolha diante desse dilema dependerá do peso que cada pessoa e sociedade dão aos diferentes valores envolvidos, bem como das distintas leituras sobre os elementos presentes nos casos concretos. Entre priorizar a liberdade de expressão ou o combate ao ódio, à violência e a discursos antidemocráticos, não há uma decisão objetivamente correta.


De qualquer forma, falando a partir de um ponto de vista subjetivo e certamente parcial, parece mais recomendável privilegiar a proteção à liberdade de expressão. Afinal, as consequências de uma manifestação de ódio, violência ou ameaça à democracia são ruins, mas não necessariamente criam raízes. Elas podem ser contrabalançadas por manifestações no sentido contrário. Por outro lado, as consequências da censura são muito mais graves e difíceis de combater. Elas afetam a própria personalidade e criam uma situação praticamente irreversível de assimetria de poder na qual alguém pode dizer o que pode ser dito ou não pelas outras pessoas. Por isso, na dúvida, que sobreviva a liberdade de expressão.



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[1]IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;” [2] “IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”

 
 
 

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