Qual é o Deus em que você acredita?
- Igor Ferreira
- Jul 3, 2023
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Quando alguém diz que acredita (ou, no caso dos ateus, não acredita) em Deus, pode estar dizendo muitas coisas diferentes. Aliás, é uma característica da própria comunicação humana que um mesmo termo possa ter diferentes significados dependendo de quem o enuncia, anuncia, recebe ou interpreta. Quanto mais abstrato for o conceito, a figura ou o ser ao qual o termo se refere (e quanto mais frequentemente o termo for utilizado), maior é a diversidade de significados e a confusão que ela causa. Assim, não há nada mais natural ou inevitável: Deus, um dos termos mais frequentes e abstratos de todos, acaba sendo entendido de múltiplas formas - algumas bem próximas entre si, outras conciliáveis, outras diametralmente opostas. A variedade de religiões existentes no nosso planeta é a maior prova disso.
Se cada pessoa ou religião enxerga Deus de uma forma diferente, qual delas está certa? Todas? Seria isso possível? Afinal, aparentemente existem diferenças inconciliáveis entre algumas religiões. Então só alguma (ou algumas) das religiões apresenta uma visão correta? Ou os ateus estão certos e todas as religiões estão erradas? Temos no âmago de nosso ser, naquilo de mais profundo que constitui a nossa essência (se é que temos alguma essência), a necessidade de responder a esse questionamento. No entanto, mesmo após séculos de um vertiginoso avanço técnico, científico e quiçá espiritual, nada até hoje nos deixou ao menos próximos de poder alcançar uma resposta. Talvez apenas a morte cumpra essa função.
Apesar da naturalidade e da inevitabilidade com a qual fazemos esse tipo de pergunta, pode ser que, no final das contas, a melhor opção seja também a mais humilde: assumir nossa ignorância. Porém, não se trata de assumir nossa ignorância no sentido de abraçá-la como algo positivo e desejável. Em vez disso, trata-se de compreender que existem coisas incompreensíveis, ou pelo menos não totalmente compreensíveis, pelos métodos utilizados e pelas formas assumidas pelo conhecimento humano (se não por toda a eternidade, pelo menos até agora).
Reconhecer esse desconhecimento é a melhor forma de realizar uma análise tão imparcial quanto humanamente possível de todos os diferentes significados atribuídos ao termo "Deus" e às suas consequências para a sociedade na qual vivemos. Ou seja, é a melhor forma de compreender em qual Deus as pessoas acreditam e como isso as afeta individualmente e - ao mesmo tempo, já que ambas as coisas são inseparáveis - enquanto membros de uma comunidade. Com essa compreensão mais ampla, fica mais fácil definir em qual Deus podemos, queremos ou devemos acreditar.
Em nossa sociedade brasileira, predominam os significados atribuídos a Deus pelo cristianismo, mas eles são muitos. Não apenas pela divisão entre católicos e evangélicos, ou entre diferentes denominações dentro do grupo das igrejas evangélicas. Mesmo entre as pessoas da mesma igreja, as concepções podem ser muito diferentes (como bem demonstram os entraves ideológicos entre os defensores do moderno Papa Francisco e seus críticos conservadores na Igreja Católica). Em nome de Deus (e de qualquer religião), é possível amar e odiar, ter uma coragem inigualável ou um temor de causar tremores, incluir e respeitar ou excluir e segregar aqueles que mais precisam de nós, promover a paz e a bondade ou cometer os atos mais terríveis de violência e atrocidade.
Como, então, conciliar os diferentes pontos de vista e, ao mesmo tempo, fazer com que em nome de Deus seja praticado somente aquilo que há de bom para a comunidade e pode impulsionar o melhor convívio social? Nesse caso, embora também não haja uma resposta pronta, é possível ensaiar ao menos um esboço. A solução passa principalmente pela tolerância, aceitação e valorização das diferentes crenças, dos diferentes significados atribuídos a Deus. Todavia, passa também pela procura de pontos em comum, de acordos pontuais entre esses distintos significados (sem simplificá-los demais, é claro, a ponto de diminuí-los somente a esses pontos em comum).
Nesse sentido, para aquele que crê (assim como eu), procurar pontos em comum na interpretação da mensagem de Deus - focando nos princípios fundamentais em vez de destacar demasiadamente alguns pequenos detalhes - pode ser um bom começo. Em regra, pessoas de diferentes religiões concordam que o ponto principal dessa mensagem é o incentivo ao amor: o amor a Deus e o amor ao próximo. Essas formas de amor parecem ser os melhores pontos para unir as diferenças sem desintegrá-las, mantendo a existência de múltiplos significados para a crença em Deus e ao mesmo tempo garantindo a união e a harmonia entre eles.
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