Afinal, o que significa ser de esquerda ou de direita?
- Igor Ferreira
- Apr 19, 2020
- 2 min read
Um termo que significa qualquer coisa, no final das contas, não significa nada. Assim, para estabelecer uma comunicação efetiva, é necessário delimitar os conceitos de forma precisa. Essa observação se aplica aos mais diversos temas, mas parece ainda mais importante quando se trata da política – uma área na qual muitos conceitos são utilizados de forma extremamente ampla, vaga e abstrata.
Esse uso não muito criterioso das palavras encontra um exemplo marcante nos termos ‘esquerda’ e ‘direita’. Seja em conversas informais sobre política na mesa de bar, seja em grandes reuniões entre os governantes do mundo, tais palavras aparecem como uma espécie de carta-coringa, com múltiplos significados e implicações.
Em geral, como era de se esperar em um contexto no qual se criam muitas formas vagas de distinção, aquelas que se repetem com mais frequência não são completamente fiéis à realidade: costuma-se dizer, por exemplo, que a esquerda defende pautas sociais, enquanto a direita se importa mais com as econômicas. Nesse caso, qual seria a classificação da social-democracia ou do governo neodesenvolvimentista de Lula, cujos ideais envolvem a conciliação entre ambas?
Outra classificação associa a esquerda à igualdade e a direita à liberdade, desconsiderando a existência de libertários que se consideram de esquerda (a exemplo dos anarquistas) e de regimes autoritários de direita (como o nazismo e o fascismo). Em uma classificação ainda menos realista, mas infelizmente muito comum em terras brasileiras, limita-se a esquerda aos apoiadores do Partido dos Trabalhadores e a direita aos defensores do atual presidente da república – como se as ideias de ambos fossem amplamente compartilhadas por aqueles que recaem no mesmo lado do espectro político.
No meio de tantas distinções, entretanto, uma delas parece ser efetivamente aplicável, constituindo uma delimitação precisa: a esquerda é marcada pelas pautas progressistas, isto é, pelo desejo de mudanças na ordem social, de superação dos padrões vigentes em determinado momento. Já a direita prega a manutenção da ordem social ou mesmo o reforço de alguns de seus elementos.
A definição se encerra aí, sem associar qualquer outra característica à esquerda ou à direita, sob pena de simplificar demais o debate. As múltiplas facetas da esquerda incluem reformistas e revolucionários, libertários e autoritários, desejo de abolição do Estado ou de construção de um Estado bem forte. Do mesmo modo, a direita engloba tanto aqueles que defendem a interferência zero do Estado na atividade do mercado, quanto os defensores de um Estado forte (atuante na garantia da ordem e das condições necessárias para o desenvolvimento econômico). O aspecto definidor da direita é o desejo de manter a base da estrutura social e econômica – mas é possível haver um desejo de relativização de determinados costumes e tradições ou, ao contrário, uma defesa ferrenha da família, da religião e das regras morais tradicionais.
Há, portanto, uma imensa diversidade subsistindo em ambos os polos. Toda essa complexidade não pode ser desconsiderada ao se buscar uma definição. Assim, é possível dizer que esquerda e direita se conceituam apenas pelo desejo de mudar ou manter os padrões estruturais de organização social – essa, e talvez só essa, é a diferença entre os dois lados do espectro político.

Imagem: Adobe Stock
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