Futebol: é hora de voltar?
- Igor Ferreira
- Jun 21, 2020
- 3 min read
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O futebol está de volta. Na Europa, com o retorno da vida à quase normalidade, voltaram a ser disputadas as partidas da maioria dos campeonatos (incluindo alguns dos mais importantes, como o inglês, o alemão e o espanhol). Aqui no Brasil, além do retorno do campeonato carioca, diversos clubes de outros estados voltaram a treinar normalmente. Mas será que essa é a hora certa para retomar as atividades?
De maneira geral, dois argumentos principais justificam o retorno em meio à pandemia. O primeiro é o argumento econômico: mesmo quando os clubes não têm as receitas oriundas dos jogos, as despesas com salários e manutenção de infraestruturas se mantêm, de modo que muitos times entrem em grave crise financeira. Para clubes mais modestos, isso pode significar até mesmo a impossibilidade de disputar campeonatos – podendo causar, em situações mais extremas, o abandono de competições estaduais e nacionais (Copa do Brasil e divisões inferiores do Campeonato Brasileiro).
O segundo argumento é o psicológico: o futebol ocupa um grande espaço como atividade de entretenimento e, assim, faz-se útil ou até necessário para o bem-estar das pessoas. Esse argumento ganha um destaque especial no pesado contexto da pandemia, no qual as atividades de entretenimento se fazem mais importantes do que nunca para a manutenção da sanidade mental.
De qualquer forma, ambas as questões podem ser resolvidas de outros modos. Para resolver a crise econômica dos clubes, é possível que as federações estaduais, a CBF e, em último caso, até mesmo entes governamentais ofereçam o auxílio financeiro necessário. Com relação ao entretenimento, na falta de jogos ao vivo, podem ser assistidas as reprises – sem falar nas inúmeras outras opções de atividades para se distrair, como séries, novelas, músicas e filmes.
Além disso, ao menos duas questões surgem como fortes argumentos contrários à retomada dos treinos e dos jogos no futebol. A primeira delas é a impossibilidade de acesso da torcida ao estádio: vale a pena disputar as partidas de futebol sem um de seus principais elementos? É justo que grandes jogos se realizem e campeonatos se decidam no marasmo dos estádios vazios, sem que os torcedores possam fazer parte das conquistas ou os jogadores dos maiores clubes possam se sentir apoiados, impulsionados pelas grandes torcidas? De fato, o torcedor continua tendo a opção de assistir à partida pela televisão (opção sempre escolhida, mesmo em tempos normais, pela maioria das pessoas), mas a experiência nem se compara à ida ao estádio e não desfaz o enorme prejuízo ao espetáculo causado pela ausência das torcidas.
A outra questão, talvez a mais essencial, diz respeito aos efeitos do retorno do futebol para a saúde pública. Com a retomada dos treinos e dos jogos, jogadores e técnicos se submetem diariamente às aglomerações. O resultado é que, em diversas oportunidades, a doença se espalha rapidamente pelo elenco – um risco direto para a saúde dos atletas e treinadores e indireto para a saúde pública, tendo em vista que facilita a propagação do vírus em outros meios. No Brasil, um dos países mais afetados pela pandemia, esse argumento possui especial relevância. Mesmo com os clubes tomando todos os cuidados necessários e seguindo adequadamente os protocolos, houve um número considerável de jogadores infectados – como atestam os casos emblemáticos do Vasco (que chegou a ter 16) e do Ceará (com 11 infectados). [1] [2]
Em resumo, a volta do futebol no momento atual, especialmente no Brasil, é uma atitude possivelmente precipitada. Para assegurar a maior qualidade do espetáculo e facilitar o controle epidemiológico, a opção mais adequada seria esperar. Pelo menos sob esses aspectos, a melhor alternativa seria aguentar firme sem futebol até daqui a algumas semanas ou meses. Somente então, quando tudo já estiver melhor, os clubes, jogadores e torcedores poderiam protagonizar um retorno com força máxima, trazendo em cada partida o grande espetáculo que o futebol era antes.
[1] “Vasco tem 16 jogadores com coronavírus; parte do elenco se apresenta nesta segunda”, disponível em: <https://oglobo.globo.com/esportes/vasco-tem-16-jogadores-com-coronavirus-parte-do-elenco-se-apresenta-nesta-segunda-24455706>. Acesso em 16 de junho de 2020. [2] “Ceará teve 11 casos positivos para Covid-19 no elenco”, disponível em: <https://globoesporte.globo.com/ce/futebol/times/ceara/noticia/ceara-tem-17-casos-positivos-para-covid-19-nove-sao-de-jogadores.ghtml>. Acesso em 16 de junho de 2020.
Imagem da capa: atacante Erling Håland, do Borussia Dortmund, marca um gol no clássico contra o Schalke 04 em maio de 2020, realizado com o estádio vazio.
Créditos da imagem: Martin Meissner/EFE
Imagem disponibilizada pelo jornal Estadão em: <https://esportes.estadao.com.br/fotos/futebol,erling-haaland-atacante-do-borussia-dortmund,1095565>. Acesso em 18 de junho de 2020.
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