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Não pense em viver, produza!

Updated: Mar 7, 2020


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Igor Ferreira


“Produzir mais” é a palavra de ordem. Não se pode nem mesmo dizer que é a palavra da moda, afinal há alguns séculos nossa sociedade tem visto inúmeros sacrifícios serem realizados em nome do aumento do nível de produtividade. Ainda assim, mesmo em uma sociedade que se pensa completamente aberta aos debates sobre qualquer tema e às mudanças políticas e sociais, esse dogma quase religioso permanece firme e forte.


Em diferentes partes do mundo, autoridades políticas são avaliadas com base em um mesmo critério: o aumento ou diminuição do PIB durante o mandato. Mais do que isso, países são classificados, com base no nível de produtividade econômica (dentre outros critérios), em desenvolvidos ou subdesenvolvidos – ou desenvolvidos e em desenvolvimento, caso se queira utilizar termos politicamente corretos. Já no mundo empresarial, gestores quebram a cabeça para pensar nas mais variadas práticas e políticas com um objetivo em mente: fazer com que os funcionários produzam mais (o bem-estar dos funcionários fica em segundo plano, como mero meio para se chegar a essa finalidade). A lógica da produtividade pode ser encontrada em quase todos os lugares, ditando o rumo da nossa economia nos últimos tempos. Com ela, porém, surgem dois grandes problemas.


O primeiro é evidente: não dá para a produção crescer para sempre[1]. Não importa o quanto a festa esteja boa, uma hora ela acaba. Quando se trata de crescimento da produtividade, existem pelo menos dois fatores – relacionados entre si - a ser levados em conta. Em primeiro lugar, os recursos a nosso dispor são finitos. Em tempos de avanços da tecnologia e da produção imaterial, tendemos a pensar o contrário, mas a realidade é que toda a produção imaterial se baseia, em última análise, em algum recurso do mundo material (basta pensar neste texto: para ser disponibilizado na internet ele depende, por exemplo, de toda uma infraestrutura física de cabos submarinos de transmissão de dados, bem como de computadores construídos com recursos materiais para armazenar esses mesmos dados). Em segundo lugar, quando se pensa somente no aumento da produção e não em seus impactos, a natureza paga o preço. Por isso, problemas como o aquecimento global, a poluição das águas e do ar e o acúmulo de lixo têm sido tão frequentes. Aqui é importante dizer que não se trata apenas de bondosamente salvar ursos polares e tartarugas. Pensar no ambiente é pensar em nós mesmos. Afinal, com o acúmulo de lixo vêm as doenças, sem falar que a própria vida humana tende a ficar impraticável a partir de determinados níveis de poluição e de perturbações climáticas.


O segundo problema é uma questão mais filosófica: para que (ou para quem) produzir mais?


A resposta mais intuitiva a essa pergunta é “porque precisamos”. De fato, a necessidade é um bom argumento, afinal ninguém deseja sofrer os efeitos da fome e da escassez de itens básicos. Por isso essa resposta é tão atrativa, embora não seja completamente verdadeira. Estudos da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura apontaram, em 2016, que a produção mundial de alimentos é mais que suficiente para alimentar toda a população do mundo (as mortes de fome são causadas pela má distribuição, não pela baixa produção). Já o antropólogo Pierre Clastres[2] afirma que as pesquisas realizadas em economias de subsistência costumam indicar um tempo médio de quatro horas diárias de trabalho como suficiente para o perfeito atendimento às necessidades básicas. Então, por que trabalhar mais que isso?


Uma outra resposta seria “porque o aumento da produção é a chave para o aumento do bem-estar”. No entanto, se temos visto a produção crescer e crescer continuamente (basta uma rápida análise da evolução do PIB de quase qualquer país ao longo do tempo para se chegar a essa conclusão), o mesmo pode ser dito com relação ao estresse, à ansiedade e à depressão – nas palavras de Monja Coen, ilustre autora budista, “o mal do Século XXI”.


Uma terceira resposta se adequa melhor à realidade: queremos produzir mais porque compramos a ideologia da produtividade, pura e simplesmente. Colocamos o aumento da produção como nossa finalidade sem nos questionarmos muito sobre as razões. Entretanto, talvez seja hora de repensar essa ideologia – que beneficia, quando muito, apenas uma pequena elite cujo poder se baseia na acumulação material e em estatísticas com números cada vez maiores – e assumir que a produção só nos é útil até determinado nível, enquanto favorece a busca pela qualidade de vida e pela felicidade.

[1] Para quem quiser se aprofundar, o economista Thomas Piketty trata muito bem do tema no livro “O Capital no Século XXI”.


[2] Em sua obra “A sociedade contra o Estado”, da qual a referência foi retirada, Clastres também aborda, dentre outros temas, a produtividade e os fatores políticos que a sustentam.

 
 
 

2 comentários


marifquintela
29 de ago. de 2018

A mais pura verdade...por isso penso que alguns países que são guiados por ideologias espirituais como a Tailândia são mais desenvolvidos que a gente. Gostei da participação da Monja Coen no seu texto ;)

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Marcilio Ferreira
26 de ago. de 2018

Viver é egoísmo, produzir é altruísmo. O problema está na motivação da produção. Sempre o Capital...

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