O negacionismo científico vs. a democratização da ciência
- Igor Ferreira
- Jul 19, 2020
- 3 min read

Foto: Adriano Machado/Reuters (disponibilizada em matéria da Revista Época)
“A terra é plana”. “Não existe aquecimento global”. “Vacina não protege contra nenhuma doença”. Afirmações como essas, que negam todo o conhecimento produzido cientificamente sobre determinados assuntos, têm sido cada vez mais comuns e influentes. Seja na forma de teorias conspiracionistas, seja por simples cinismo, o negacionismo científico vem ganhando adeptos no mundo todo. A principal consequência disso é que se espalham a desinformação e a incapacidade de perceber corretamente o resultado de cada ação humana sobre a realidade – determinadas relações de causalidade, como aquela entre a ampliação da emissão de gás carbônico por indústrias e automóveis e o aumento da temperatura do planeta, passam a ser ignoradas.
Se por um lado não há nenhuma novidade em reconhecer as consequências negativas do negacionismo científico, por outro lado poucas análises se voltam para suas causas. Por que o conhecimento científico tem perdido espaço para teorias não comprovadas que algumas vezes sequer fazem sentido? Por que movimentos terraplanistas, anti-vacinas e outros relacionados têm ganhado tanta força política?
A resposta é complexa e envolve diversos fatores (desde a ascensão de líderes autoritários que querem impor suas próprias visões sobre a realidade até a influência das tradições religiosas), mas um aspecto em especial merece destaque: a forma como a ciência se fechou ao mundo, optando por formas restritas e elitistas de produção e divulgação do conhecimento. Em razão disso, para a maioria das pessoas, a ciência deixou de apresentar sua principal característica: a elaboração de um saber que, apesar de aberto aos naturais e saudáveis questionamentos (aliás, essenciais para a evolução do conhecimento científico), tem sua validade verificada e constantemente reafirmada através dos nossos próprios raciocínios e experiências.
A maioria de nós possui total consciência, por exemplo, do formato aproximadamente esférico da Terra. Mas quantos de nós sabem explicar quais elementos da realidade comprovam que a Terra não é plana? Do mesmo modo, quantos de nós sabem justificar a eficácia das vacinas, entender os efeitos físicos e químicos da emissão de gás carbônico ou mesmo interpretar as consequências previstas caso haja o aumento de um ou dois graus na temperatura do planeta? Quantos de nós sabem utilizar o método científico (sem dúvidas, o elemento mais importante da construção do conhecimento na ciência) para analisar se a realidade comprova ou refuta certa hipótese surgida em nossas mentes?
De maneira geral, o conhecimento científico não vem se espalhando. A sua produção é cada vez mais restrita aos grandes laboratórios e ao elitista ambiente universitário (um pouco menos elitista nos últimos anos, aqui no Brasil, graças à política de cotas). Já a divulgação, além de bastante limitada pela falta de qualidade da educação, ocorre principalmente por meio de artigos escritos em linguagem complexa e pouco compreensível (algo difícil de evitar em certas situações que exigem uma abordagem mais técnica, mas perfeitamente desnecessário em outras situações). Assim, a ciência deixa de ser um conhecimento mutável e facilmente verificável para se tornar uma forma de saber dogmática, apoiada na autoridade dos poucos cientistas existentes.
Entretanto, quando a ciência vira uma questão de fé, ela tem de competir com outras fés mais antigas. O crescimento do negacionismo científico vem demonstrando que ela tende a perder essa competição. Por isso, é hora de abrir a produção e a divulgação do conhecimento científico para mais pessoas, democratizando-o e tornando-o, mais uma vez, uma questão de método de verificação.
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