Quem controla os dados controla o jogo
- Igor Ferreira
- Sep 2, 2018
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Igor Ferreira

Você já deve ter ouvido falar que vivemos na “Era da Informação”. De fato, obter informações sobre os mais variados tópicos nunca foi tão fácil quanto atualmente. Por outro lado, talvez você não tenha ouvido falar sobre um importante mercado em ascensão, cujos bens tendem a se tornar mais e mais valiosos com o passar do tempo: o mercado dos dados e informações pessoais.
Esse novo mercado, discreto – quase secreto – e aparentemente inofensivo, deve seu sucesso cada vez maior a uma valorizada função prestada pelos dados pessoais coletados: a facilitação do exercício do poder a partir do controle, da vigilância e da influência sobre hábitos e escolhas pessoais (em especial os hábitos e escolhas de consumo). Em outras palavras, a facilitação da gestão, da manipulação, do governo. Mas como esse mercado funciona? Como os dados e informações coletados são usados para controlar nossos padrões de comportamento e consumo? Como isso é feito de forma eficiente em meio aos milhões de dados (muitos deles aparentemente sem significado nenhum) que cada um de nós gera todos os dias? A resposta passa por um novo método de governo construído a partir da enorme disponibilidade de dados que possuímos hoje[1], dividido em 3 passos.[2]
O primeiro passo é a coleta e armazenamento de dados (dataveillance). Nesse momento, a ideia é obter a maior quantidade possível de dados, ainda que eles não tenham significado até então. Por isso cada clique que você realiza numa rede social é registrado. Pelo mesmo motivo surgem os descontos oferecidos pelos supermercados e farmácias aos clientes que registram seus CPFs, associando-os às compras realizadas. Sem falar, é claro, nas grandes quantidades de dados pessoais fornecidos pelos cidadãos (ou recolhidos deles, muitas vezes sigilosamente) e mantidos pelos governos.
O segundo passo é o tratamento dos dados coletados e armazenados (datamining), quando eles são relacionados um com o outro. Nessa etapa, por meio das relações estabelecidas, as informações recolhidas adquirem um sentido, um significado, possibilitando sua futura utilização para influenciar comportamentos alheios.
O terceiro passo é a elaboração de perfis, constituídos exclusivamente pela reunião de dados relacionados entre si, ou seja, já dotados de significado. Esses perfis surgem para prever e, consequentemente, possibilitar a manipulação do comportamento de cada pessoa. Assim, uma curtida em uma rede social se transforma em um anúncio publicitário especialmente direcionado para você. Do mesmo modo, a partir dos filmes ou vídeos já assistidos em determinados sites, surgem novas indicações personalizadas de filmes ou vídeos. Os exemplos se multiplicam, sendo cada vez mais amplos os usos desses novos bens, os dados – por isso tão valiosos.
Esses 3 passos fazem com que o controle alheio de nossas vidas através dos dados e informações pessoais recolhidos deixe de ser um improvável futuro distópico (uma coisa de filme futurista pessimista) para se tornar a mais pura realidade. Evidentemente, não é fácil fugir desse controle. Mesmo que decidamos encarar as consequências negativas de sair de uma ou outra rede social, ou de parar de utilizar um ou outro site, a verdade é que deixamos nossas informações em quase todos os lugares por onde passamos (sobretudo quando estamos conectados). Ainda assim, saber de que forma somos manipulados é a primeira parte do caminho para sabermos como lidar com essa manipulação – e principalmente como nos livrar dela. A partir de então, podemos buscar as soluções técnicas e políticas para resistir às influências externas.
E aí, curtiu? Vai querer seu CPF na nota?
[1] Costuma-se utilizar, para designar essa enorme disponibilidade de dados, o termo em inglês big data.
[2] A explicação dos 3 passos é retirada do texto “Governamentalidade algorítmica e perspectivas de emancipação: o díspar como condição de individuação pela relação?”, de Antoinette Rouvroy e Thomas Berns. ‘Governamentalidade algorítmica’ é o nome dado pelos autores a esse novo método de governo, em referência aos algoritmos (ferramentas informáticas que o possibilitam) e à ‘governamentalidade’. Esse último conceito é utilizado por Foucault para designar uma ‘mentalidade de governo’, um conjunto de técnicas e mecanismos de poder marcado pela gestão, pelo controle da população através do controle do ambiente, do meio.
Bem assustador mesmo pensar que já vivemos nessa espécie de distopia e nem sequer nos damos conta disso. Temos de nos manter alerta! Obrigada prla reflexão.