Racismo reverso existe? Algumas considerações sobre o preconceito
- Igor Ferreira
- Mar 6, 2023
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É comum ouvirmos pessoas brancas se queixarem de sofrer ‘racismo reverso’. A expressão é empregada, principalmente, em meios dominados por ideias políticas e sociais mais conservadoras, entre pessoas que acreditam que algo se perdeu no meio do caminho da luta pela igualdade e, de alguma forma, o oprimido acabou virando o opressor pelo menos por um ou outro momento. Nesse contexto, a expressão designaria episódios nos quais uma pessoa negra age de maneira preconceituosa diante de uma pessoa branca em razão da origem étnica dessa última. Mas será que é correto empregar esses termos de tal forma?
Para responder à pergunta, é necessário compreender primeiramente o que é o racismo e quais são suas principais características. Antes de mais nada, é importante dizer que aqui o racismo é definido como fato social, e não em seu conceito penal (isto é, optou-se por focar na problemática geral do preconceito, deixando de lado, por ora, a definição específica do crime de racismo no direito brasileiro). Nesse sentido, racismo é a ideologia segundo a qual existem raças superiores e inferiores de seres humanos.
Historicamente, o racismo sempre assumiu contornos bem delimitados. O homem branco europeu se colocou repetidamente, por séculos, no lugar da raça superior e relegou as demais etnias (especialmente negros africanos) à categoria de raças inferiores. Foram muitos os esforços para fazer esse pensamento ganhar corpo e para inseri-lo, inclusive, nas mentes das pessoas alegadamente inferiores.
Acontece que o racismo, assim como outras ideologias, só exerce seus efeitos se estiver espalhado de forma generalizada por toda a sociedade. Não apenas um preconceito, o racismo é um preconceito estrutural e essa é sua característica mais marcante e perversa. Seus trágicos efeitos não vêm da ofensa presente em um episódio específico e bem demarcado, mas sim da contínua repetição – imagine o quanto é exaustivo psicologicamente ter que viver a mesma situação humilhante por várias e várias vezes ao longo de toda a sua vida.
A intenção aqui não é negar o preconceito existente em frases como “não gosto de você porque você é branco!”, muito menos passar pano para quem se utilize desse tipo de fala. Assim como outras frases similares (“não gosto de você porque você é libriano!”, “não gosto de você porque você é da Geração Z!”, e por aí vai), essa fala demonstra, no mínimo, uma postura autoritária e arrogante de fechamento às diferenças. No entanto, o peso é diferente. Quem diz isso diz apenas que, por motivos estúpidos, não quer muita conversa. Por outro lado, quem diz “não gosto de você porque você é negro!” está dizendo que, ao menos em certa medida, concorda e contribui com os responsáveis pela exclusão e opressão das pessoas negras – ocorrida durante séculos e suportada durante toda a vida por cada negro ou negra em repetidas ocasiões.
A primeira situação traz um preconceito. Apenas a segunda situação traz racismo. Em resumo, não existe racismo reverso. Pelo menos não atualmente, pois a visão social sobre etnias pode mudar de forma radical e imprevisível no intervalo de alguns séculos. O mesmo raciocínio também se aplica, por exemplo, ao preconceito sofrido por homens ou por pessoas heterossexuais. Não deixa de ser preconceito, mas não possui o mesmo peso nem a mesma carga histórica que aquele sofrido por mulheres e membros da comunidade LGBTQIA+. De todo modo, sejamos firmes no combate a qualquer forma de preconceito!

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